Pornografia de vingança: o desafio de lidar com os crimes na internet desafia a polícia

Linchamento social, vida sexual exposta, problemas de confiança. O avanço da internet reorganizou as relações pessoais nos últimos anos e naturalizou o envio dos famosos 'nudes'. Porém, ter uma imagem ou vídeo 'vazado' gera graves problemas e afeta a privacidade de inúmeras vítimas ao redor do mundo.

Não há registros oficiais dos órgãos de Segurança Pública do Ceará sobre pornografia de vingança, pois a ação é classificada em nichos comuns de outros crimes, como calúnia ou difamação. Contudo, segundo a delegada Rena Gomes Moura, diretora do Departamento de Polícia Especializada (DPE), várias ocorrências deste tipo foram registradas no Ceará, nos últimos anos.

A pornografia de vingança consiste em divulgar, sem autorização, imagens ou vídeos que contenham nudez explícita de terceiros, em meios digitais. Na maioria dos casos, a violação é cometida por ex-companheiros que não aceitam os términos e, em retaliação às ex-parceiras, compartilham imagens íntimas delas. Números divulgados pela ONG brasileira Safernet indicam que 81% das vítimas que contactam a organização são mulheres.
Para Bruna Germana, pesquisadora da Universidade Federal do Ceará (UFC), a questão também pode ser tratada como crime de gênero. Quando um vídeo é exposto sobre relações sexuais há dois sujeitos, porém, é sempre a mulher a exposta e criticada".

A delegada Rena Gomes ressalta que o medo das vítimas e a falta de instrução de como lidar com o caso impossibilitam a percepção da real dimensão do problema. "A vítima fica muito vulnerável. A vergonha de expor a situação e o sentimento de culpa são grandes, mas a denúncia é o único modo de combatermos os casos".

Segundo a delegada Erika Ferreira Moura, titular da Delegacia de Defesa da Mulher (DDM), há casos onde asdenúncias são realizadas , mas por vontade da vítima, a queixa-crime não é gerada, impossibilitando a abertura do inquérito. Além disso, as análises da Safernet apontam que o Ceará ainda caminha a passos lentos na busca de atendimento especializado de crimes cometidos através da internet.

Entre 2007 e 2016, das 13.268 pessoas atendidas pela ONG em 26 estados, 41 foram cearenses. A quantia é irrisória em comparação a outros estados do Nordeste, como o Piauí (1.142) e a Bahia (934).

Legislação

A falta de uma tipificação específica para o crime no Código Penal Brasileiro dificulta a punição do responsável pela divulgação. As penas concedidas aos agressores podem ser consideradas brandas por não resultarem em prisões, mas em penas privativas de direitos, como indenização ou trabalho voluntário. Se houver vínculo afetivo entre vítima e agressor, o caso pode ser enquadrado na Lei Maria da Penha e gerar medidas protetivas.

De acordo com a delegada Erika Ferreira Moura, a falta de controle sobre a divulgação dos materiais e a facilidade na difusão potencializam os danos às vítimas, pois não há possibilidade de remover todas as imagens compartilhadas. "A informação é propagada rapidamente. Com a alta quantidade de redes sociais e o acesso constante das pessoas, a divulgação indevida é facilitada. Mesmo que fiquem apenas horas na internet, as imagens causam um estrago imenso na imagem e psicológico da pessoa".

Entretanto, algumas medidas surgiram nos últimos anos para auxiliar na punição dos atos ilícitos, como a Lei n. 12.737, conhecida como 'Lei Carolina Dieckmann', que assevera penas de invasão de dispositivo se "houver divulgação, comercialização ou transmissão a terceiro, a qualquer título, dos dados ou informações obtidos". Também está em discussão o Projeto de Lei 5555/2013, a 'Lei Rose Leonel', que amplia os direitos da Lei Maria da Penha porque "cria mecanismos para o combate a condutas ofensivas contra a mulher na internet" e "tipifica a exposição pública da intimidade sexual".

No dia 21 de fevereiro, a Câmara dos Deputados aprovou a proposta, após quase quatro anos de discussão. No dia 7 de março a Mesa Diretora enviou ao Senado Federal.

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