Nem é preciso suar a camisa. Meia hora de atividade física, cinco dias por semana, poderia evitar uma em cada 12 mortes por doenças cardiovasculares em todo o mundo. De acordo com um estudo publicado na revista The Lancet, pessoas que se mantêm em movimento — seja na academia, seja fazendo trabalhos domésticos ou passeando com o cachorro — por pelo menos 150 minutos semanais vivem mais e correm menos riscos de sofrer de problemas como infarto e acidente vascular cerebral. As conclusões baseiam-se em dados de mais de 130 mil indivíduos de 17 nações, incluindo o Brasil.
A recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) é que adultos entre 18 e 64 anos façam um esforço maior que esse: 150 minutos de atividade aeróbica, com intensidade moderada, e exercícios de fortalecimento muscular pelo menos duas vezes na semana. Contudo, os autores do trabalho divulgado ontem ressaltam que apenas 23% da população mundial consegue ir ao encontro desse ideal. Por isso, os pesquisadores, liderados por uma equipe do Hospital St. Paul de Vancouver, no Canadá, decidiram investigar se níveis mais baixos de exercício já protegem o sistema cardiovascular. Eles fizeram isso comparando dados de mortalidade e incidência de doenças cardiovasculares com informações sobre o estilo de vida dos participantes, que informaram por quanto tempo se mantinham ativos.
O estudo também inova ao trazer dados sobre atividade física em países de rendas média e baixa, além da alta, que costuma ser o padrão nesse tipo de pesquisa. “Estudos investigando o papel da atividade física na prevenção de morte por doença cardiovascular vêm, quase sempre, de países de alta renda e se focam nos exercícios recreativos ou na atividade desenvolvida no tempo de lazer”, conta o principal autor do trabalho, Scott Lear, do Hospital St. Paul. “Ao incluir países de rendas média e baixa, conseguimos determinar os benefícios de atividades como o deslocamento até o trabalho, ter um emprego ativo ou mesmo fazer o serviço doméstico”, explica.
No início da pesquisa, os participantes forneceram dados socioeconômicos e de estilo de vida, além do histórico médico e familiar. Eles foram pesados e medidos, com a pressão sanguínea aferida. Em um questionário, informaram os tipos de atividade física que faziam ao longo da semana e, com base nessas respostas, os pesquisadores calcularam o nível médio de movimentação. A cada três anos, os voluntários foram visitados pela equipe para o registro de informações sobre doenças cardiovasculares e mortalidade. O tempo médio de acompanhamento dos participantes foi de 6,9 anos.
A análise comparativa dos dados revelou que 82% do universo pesquisado se mantinha ativo por pelo menos 150 minutos semanais. Entre essas pessoas, o risco de desenvolver doença cardiovascular foi de 3,8%, e a mortalidade geral registrada durante os quase sete anos de acompanhamento foi de 4,2%. Já os 18% restantes não atingiram o nível mínimo de atividade física, sendo considerados sedentários. Nessa população, o risco de doença cardiovascular foi de 5,1%, e a taxa de mortalidade, 6,4%.
Segundo os pesquisadores, isso sugere que, se todos os participantes fizessem pelo menos 30 minutos de atividade física por cinco dias na semana, 8% dos óbitos — cerca de um em cada 12 casos — teriam sido evitados, e 4,6% das doenças cardiovasculares — um em 20 casos — poderiam ser prevenidas. Além disso, na hipótese de a amostra total da pesquisa ser altamente ativa (mais de 750 minutos de exercícios por semana), evitariam-se 13% de óbitos e 9,5% da incidência de doenças.
Vida nova
Há quatro anos, o professor aposentado João Domiciano, 63 anos, era um sedentário convicto. “Tinha uma preguiça danada”, confessa. Porém, níveis muito elevados de glicemia e lipídeos na corrente sanguínea o fizeram mudar radicalmente de atitude. Na época, ele ainda trabalhava, mas conseguiu adequar a rotina para incluir uma atividade pela qual se apaixonou: o ciclismo. “Academia é muito chato. Pedalando, você está em contato com a natureza, encontra amigos... Dá para conciliar prazer e atividade física”, diz Domiciano.
Depois que se aposentou, ele pôde se dedicar mais aos pedais. Atualmente, o professor anda de bicicleta os sete dias da semana, completando, em média, 13km diários. Além disso, faz treino de força na academia. Domiciano conta que procura movimentar-se sempre que possível, trocando o elevador pelas escadas, por exemplo. “A atividade física te deixa mais disposto e alegre. Depois que comecei a pedalar, a tomar mais água e a me alimentar melhor, perdi 12kg, e minhas taxas estão bem próximas da normalidade”, diz.
No estudo publicado na The Lancet, os pesquisadores observam que quase metade dos participantes — 44% — é altamente ativa. Para chegar a esse nível, eles combinam os exercícios físicos feitos em academias com práticas como trocar o carro pela bicicleta (ou mesmo ir a pé para o trabalho), subir mais escadas e fazer tarefas domésticas. Por isso, os pesquisadores insistem na necessidade da mudança de hábitos para redução de risco cardiovascular.
Ao analisar o tipo de atividade por renda, observou-se que, nos países ricos, o mais comum são os exercícios recreativos (academia, aula de tênis etc.) e o tempo de lazer. Já nas nações de rendas média e baixa, o meio de transporte, a ocupação e o fato de se dedicar ou não ao serviço do lar é que contribuem mais com a movimentação.
“Nos países de renda baixa e média, as doenças cardiovasculares podem representar uma carga financeira severa, e a atividade física representa uma abordagem de baixo custo, que pode ser feita em todo o mundo, com potencial de grande impacto”, observa, em nota, Salim Yusuf, diretor do Instituto de Pesquisa de Saúde Populacional da Universidade de McMaster, no Canadá, que coordenou o estudo. Ele lembra que as doenças cardiovasculares são a principal causa de morte em todo mundo. Estima-se que 70% dos óbitos associados a esse problema ocorram em países de rendas baixa e média.
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